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Crise é ‘made in Brasil’ mesmo, por Samir Keedi

É incrível a capacidade brasileira de enganar. E de se enganar. E de adorar ser enganado. Parece que é pura opção – além da opção pela pobreza, títulode um artigo nosso, um pouco antigo. O tempo todo ouvimos governantes e governados dizerem que a crise brasileira de 2008/9, e a atual de 2012, é “dos gringos”. Dos EUA e Europa, que não nos deixam crescer, sempre nos sabotando. Gostaríamos de saber até quando vai esta infantilidade, em especial porque que o país não é novo, tem 520 anos, e já deveria ter amadurecido.

 

O Brasil é um país em constante crise nas últimas décadas. A crise não começou em 2008, com retomada mais acentuada em 2012. Ela já tem mais de três décadas. Uma geração inteira, ou pouco mais, não faz ideia do que é crescimento. Do que é fazer parte do mundo que cresce e pode ter um futuro. Ninguém com menos de 50 anos viu, conscientemente, o País crescer de fato.

Como todos sabem, e temos falado e escrito muito sobre isso, o Brasil sabia crescer. Entre 1901 e 1980 obteve crescimentos extraordinários. Em 1980, por exemplo, o crescimento nacional foi de 9,2%.

 

A partir de então degringolamos, e passamos a alternar pequenos e grandes crescimentos com recessão – de tal forma que as décadas de 1980 e 1990 foram consideradas décadas perdidas. A de 2000 foi melhor, mas na média de três décadas tivemos um crescimento anual merreca de 2,4%. Uma discrepância considerável com as médias anuais de diversos períodos anteriores – como os 4,9% de 1901 a 1980, os 7,4% entre 1950 e 1980 ou os 11% entre 1967 e 1974.

Nossa degringolada iniciou-se com os choques do petróleo ocorridos em 1973 e 1979, quando os árabes usaram o petróleo como arma contra os países ocidentais e Israel, e quando o preço do barril pulou de US$ 1.20 para US$ 14,00 e depois para US$ 40.00. Nessa ocasião, o Brasil importava 90% do seu petróleo. Não tínhamos petróleo e, estranhamente, este desaparecia quando chegava à fronteira do nosso subsolo, em contraposição à Venezuela, Argentina e outros países.

Pode-se imaginar o estrago disso para a economia brasileira, ou seja, importar 90% e ter o preço aumentado em mais de 30 vezes quase instantaneamente. Aí o presidente da época, Geisel, disse uma das maiores bobagens já cometidas no País, isso porque tínhamos criado o malfadado Proálcool: “Somos uma ilha de tranquilidade num mar de turbulências”.

Estamos pagando por esta enganosa tranquilidade há mais de três décadas. Com a ajuda da incompetência que passou a tomar conta deste grande acampamento sem fim – quem sabe algum dia será um país, uma nação. Ao contrário, ele aumenta sempre, além da corrupção recorde e tudo que gira em torno dela, solapando a economia e o brasileiro decente, que espera que um dia as coisas mudem. Parece que é melhor ele se mudar primeiro.

Nossos problemas foram se agravando até chegarmos onde estamos, sem perspectiva à vista – e nem a prazo. Em 1987, nosso presidente de plantão teve que, à luz dos fatos e sem qualquer saída, declarar moratória. O País não tinha dinheiro para nada e ficou recorrendo ao FMI, sendo monitorado o tempo todo, por muito tempo. E isso porque éramos uma ilha de tranquilidade.
Não conseguimos mais sair daquela situação, embora ela tenha melhorado um pouco. O fato é que não conseguimos mais crescer, e aquela infeliz declaração, bem como a postergação de ações, solapou nosso crescimento até hoje.

Para não perder o costume, o Brasil continua na sua saga de louvação à pobreza. Em 2008, na pior crise do capitalismo desde o crash de 1929, e surgida novamente nos EUA, mais uma vez fomos sacudidos com a repetição da infeliz colocação de 1979, com outras palavras, menos rebuscadas: “A crise é apenas uma marolinha”. Como colocamos num artigo em seguida, era uma “marolona”. E, pelo andar da carruagem, também provocará estragos enormes por muito tempo ainda, talvez uma década ou mais.

É fartamente sabido que o País não tem condições estruturais para alavancar um crescimento de 4% a 5% ao ano, muito menos 6% a 7%, o mínimo que um país como o Brasil precisa crescer para tentar virar o jogo e dar a seu povo alguma chance de participar do mundo com a glória que merece. E de cujo potencial ninguém dúvida.

Ésó termos uma política econômica correta, de longo prazo, não errante e incompetente como temos visto nos últimos anos. E nem precisamos ir longe, basta ver as mais recentes medidas econômicas “iô-iô”. Subindo e descendo. Fazendo e desfazendo. Cada dia uma história. O que faz lembrar uma antiga e maravilhosa série de TV, Perdidos no Espaço , com o trapalhão Dr. Smith dizendo: “Não tema, com Smith não há problema”. É um verdadeiro festival de ignorância em ciências econômicas. Que não é uma ciência exata, mas tem certa lógica. De tudo que se faz, resulta algo. Da maneira atual, sempre resulta em algo desagradável com a falta de economistas que saibam o mínimo.

A “alta cúpula” não consegue perceber que em economia nada se faz a curto prazo. Economia tem tempo de maturação. Cada medida pode levar meses ou anos para dar resultado. Ou falhar. Economia é, até, um pouco de adivinhação do que vai ou pode correr no futuro, mas, com resultados a partir de decisões, não de simples “chutes”, como o Brasil tem feito nos últimos anos.

 

Artigo divulgado pelo jornal DCI em 12 de julho de 2012.