Hidrovia e o Brasil de sempre, por Samir Keedi
Estamos de volta à hidrovia. Uma vez mais estamos colocando nossa indignação com o que vem ocorrendo. O custo Brasil só cresce. A carga tributária brasileira continua subindo a ladeira, célere. Os juros continuam nas alturas, muito embora eles tenham diminuído um pouco. Mas, em relação à inflação, em especial ao mundo, continua astronômica. E mesmo as taxas de empréstimo em relação à taxa Selic. E o governo, por sua vez, continua aumentando seus gastos, descontroladamente. Sempre acima da inflação. Sem a menor parcimônia e vontade de se ajustar a uma realidade premente. Aliás, premente já era há alguns anos. Continuamos com donos e não com representantes. Até quando?
Com tudo isso, e nossos altos gastos com transporte e logística, nada é feito para sua minimização. Continuamos tendo uma das piores, se não a pior, matriz de transporte do mundo desenvolvido ou emergente. Estamos mais para submergente. Com o transporte interno baseado no rodoviário, com cerca de 60%, o que é inadmissível.
Assim, como já dissemos antes, continuamos estranhando que num país com cerca de 42.000 quilômetros de rios, a sua utilização seja tão irrisória e marginal. E vide que o fluvial é o transporte mais barato que há. Assim, é incompreensível seu quase abandono e falta de utilização intensiva. Permanecendo em cerca de 2% da carga nacional.
Os rios Tietê, Paraná e Paraguai, podem ser uma verdadeira hidrovia do Mercosul O sistema amazônico também é uma via fluvial de pouca utilização, o que é pena, e tem que ser mais explorada. Apenas “algum transporte” tem sido realizado pelas nossas hidrovias, carentes de uma consideração maior do governo. Que poderia fazer muito mais pela logística e competitividade brasileira.
Da mesma forma que a ferrovia, que tem pequena utilização, mas já melhorou muito com a privatização das operações ferroviárias, a hidrovia pode ajudar muito. Ela também pode ser um canal de desenvolvimento de um país que necessita muito recuperar o tempo perdido. De mais de três décadas de desenvolvimento bem abaixo da média mundial e de sua potencialidade. E de sua própria média histórica desde o início do século XX até a década de 1970. Transportar uma parcela maior de nossas mercadorias por essa via é permitir que elas cheguem aos consumidores com preços menores e palatáveis a um país pobre. Com isso, permitindo o círculo virtuoso de menor preço, mais consumo, mais produção, mais emprego etc.
Seguindo muitos especialistas, dentre os quais ousamos nos incluir como aprendizes de feiticeiro, a logística é um dos nossos calcanhares de Aquiles. Isso torna ainda mais incompreensível a falta de um olhar mais generoso sobre esse modo de transporte. Em especial com todos os privilégios com que fomos agraciados pela mãe-natureza. Nossa distribuição física de mercadorias precisa do transporte fluvial.
É só vermos o que ocorre no exterior. Em que as hidrovias européias representam um importante papel na sua logística. Os portos de Rotterdam e Antuérpia mostram isso. Sem contarmos a França, onde o modo fluvial é de muita importância. Em que nos arredores de Paris temos um porto fluvial com quase as dimensões do porto de Santos, de cerca de 12 quilômetros de comprimento.
Nos EUA elas são a causa de terem um custo logístico da soja mais baixo que nós. Invertendo uma situação desfavorável em relação à sua produção quando comparado ao Brasil. Nós produzimos mais barato, mas a colocamos no navio mais caro. E a explicação é singela. Enquanto 70% da nossa soja é levada aos portos pelas rodovias, 61% da do Tio Sam segue para o porto pelas hidrovias. Em que os rios Mississipi, Missouri e Ohio têm papéis fundamentais na sua economia. E, no Brasil, “Ohaios”(sic) que o partam.
E essa situação pode ser comprovada facilmente. Em 1997 a Folha de São Paulo mostrou uma tabela de custos. Que voltou a ser publicada ao final de 2005. Mostrando que o transporte da soja, de São Simão, em Goiás, para o porto de Santos, via rodoviária, custava US$ 35.00 a tonelada na ocasião. E quando levada via fluvial até Pederneiras, no interior de São Paulo, sendo posteriormente colocada na ferrovia para ser transportada até o porto de Santos, tinha um custo de frete de US$ 12.00. E isso numa época em que o preço da leguminosa era de cerca de US$ 170.00 a tonelada. Hoje nem faz diferença, com seu astronômico preço de cerca de US$ 500.00. Mas, que pode não permanecer assim para todo o sempre. Ainda assim, é uma diferença a considerar.
Desse modo, é necessário “começar a descobrir” o óbvio. O que todo mundo já sabe. Que um processo logístico mal desenvolvido, ou mal utilizado, pode ser mortal para qualquer país. Principalmente para um país como o Brasil, em que o desenvolvimento é mister.
Artigo divulgado na revista Mundo, de Porto Alegre, em sua edição de março de 2012.
Samir Keedi é economista, especialista em transportes internacionais, professor e autor de vários livros sobre Comércio Exterior, Transporte e Logística.